Essa é uma fase difícil de ler, daquelas coisas que engolimos a seco.

Você já iniciou uma parte dos estudos raciais e agora é preciso refletir sobre a realidade, ligando os dados a casos, a história à atualidade.

A educação é a base de uma sociedade que se posiciona e resiste às discriminações recorrentes. É por meio dela que podemos romper estruturas padrão que se reinventam e conservam o racismo no Brasil. Considerando que durante muito tempo, na escola, aprendemos a visão de mundo eurocêntrica, a educação ficou enfraquecida enquanto impulsionadora de movimento. Visto que ela não se desenvolveu para estimular a desconstrução dos antigos moldes opressores.

À medida que a população negra é dificultada de acessar espaços, começando pelos de aprendizado, é também impedida de conquistar cargos mais altos e especializados, que remuneram melhor e que, por consequência, liberariam maior poder aquisitivo. Quando isso acontece, os negros passam a não se ver representados na mídia, em produtos, no comércio, na medicina etc, porque não são eles que produzem para seus semelhantes, são os brancos, que têm acesso à essa cadeia de privilégios, como vimos anteriormente.

Ou seja, durante muito tempo no mundo ocidental, foram escassos os materiais que falavam de maneira positiva sobre ser negro, beleza negra, tecnologias não-brancas, sobre idiomas, costumes, tendências e conquistas africanas. Também foi pouco estimulada a formação de profissionais especializados em vivências racializadas. O acesso aos portais de notícias, apoio jurídico, apoio estatal, políticas públicas, condições sanitárias, produções artísticas ou valorização de qualquer coisa que estivesse ligada à negritude, eram negligenciados em detrimento da superioridade branca.

Neste cenário, como você acha que a situação se desdobraria naturalmente? A população dominante se sensibilizaria e simplesmente pararia de excluir o negro ou manteria os dominados vivendo às regras que sempre limitaram sua existência?

Você deve estar se questionando sobre a veracidade das afirmações anteriores.
Talvez não porque de fato não acredite nelas, mas porque não é prazeroso se sentir compactuam-te dessa herança. Os dados aqui expostos, estão presentes ao longo de algumas das leituras que fizemos e disponibilizamos no banco de referências, acesse por esse link. Mas, é bom você saber também, que a negação é uma característica comumente observada quando pessoas brancas se comprometem a romper com o racismo.

E sabe por quê?

Porque, como privilegiados, nunca tivemos que repensar o lugar que ocupamos em relação a outro grupo, nem questionar nossos conhecimentos já “consagrados”. O privilégio da nossa cor funciona como um escudo, que barra o desconforto provocado pela reflexão. Contar a história real, incluindo as parcelas hediondas Que apresenta deformidade; que causa horror; repulsivo, horrível; que provoca reação de grande indignação moral; ignóbil, pavoroso, repulsivo.
Fonte: Oxford Languages
da branquitude, é um desafio e tanto perante nossa moral. Lembre-se, estamos na mesma página que você.

A manutenção do racismo acontece por motivos sociais, históricos e também legais, baseados no sistema de justiça criminal. Um ciclo de impunidade criado pelas brechas da lei se fortalece por meio do tratamento jurídico que crimes raciais recebem, porque:

1- em muitos crimes não existe condenação;
2- muitas vezes não são nem registrados;
3- muitas vezes são registrados diminuindo sua gravidade, ou isentando a perspectiva racial.

O intuito de apresentar os próximos exemplos é mostrar como é muito mais doloroso ser alvo de racismo do que se prestar ao trabalho de desconstruí-lo.
Em cada um desses casos havia pelo menos uma pessoa que, por ser branca, acreditou poder determinar o destino de outro ser, em um contexto inerente à sua própria vida.

 

Dia 8 de julho de 2021, três jovens negros foram impedidos de entrar num shopping na Grande São Paulo, porque uma loja havia sido roubada e o segurança os barrou afirmando que estavam dialogando, enquanto permitia a entrada de outras pessoas brancas normalmente. Um advogado presenciou e questionou ao segurança se a loja havia sido roubada por eles, a resposta foi “não” e o advogado se pronunciou: “Então você deixa eles passarem porque se você não deixar, vai responder civil e criminalmente porque é crime não deixar entrar qualquer pessoa em qualquer estabelecimento comercial”. O segurança cedeu e liberou a entrada.

O advogado conhecia os três jovens da região, pois eram vendedores de bala durante a pandemia do Coronavírus. Ele relata que precisou registrar o boletim de ocorrência por difamaçãoA difamação é considerada como um fato criminoso pelo art. 139 do CP. Segundo o legislador, “difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação” é crime..
Fonte: Constituição Federal
, pois para que os jovens registrassem o ocorrido como discriminação racial, era preciso um documento de identificação, o qual eles não tinham. Ou seja, além do crime inicial sofrido por estes jovens no shopping, nem o respaldo legal foi alcançado sem depender de um terceiro.

 

Dia 10 de junho de 2021, uma empresária negra foi acusada de roubar um vestido de uma loja. Tudo aconteceu dentro de um shopping do Rio de Janeiro. A peça de roupa era de sua sobrinha e ela estava a caminho da loja para comprar uma roupa nova com o mesmo tamanho da que estava em sua sacola. Os seguranças da loja a abordaram na saída e a acusaram de estar levando o vestido, próprio, sem pagar. A denúncia foi registrada como calúnia. Apesar de se tratar de um crime racial.

 

Dia 16 de junho de 2021, em Cuiabá, um homem negro foi preso e agredido por estar usando os sapatos que comprou às pressas para usar numa reunião. Foi acusado de roubo por uma vendedora da mesma loja na qual ele comprou. Ao tentar explicar aos seguranças o percurso que fez dentro do Shopping, ele foi empurrado e mais 7 seguranças o cercaram. “Nessa confusão toda, eles me empurraram e eu acabei pisando em falso. Tentei sair dali a todo momento, um deles [dos seguranças] tentou pegar meu celular, que era, na verdade, a única ‘arma’ que tinha para me defender: filmar a situação e as agressões”, explica o acusado, que saiu do shopping e precisou procurar atendimento hospitalar para engessar o pé lesionado.

 

Uma menina de 11 anos tem medo de sair na rua e pesadelos diários desde que recebeu xingamentos e ameaças em sua página numa rede social. O nome da página foi alterado para “Canal da Macaca Magrela” e o agressor a ameaçou de morte, dizendo que ia encontrá-la e cortá-la em picadinhos. O caso segue desde outubro de 2020 sem resolução.

 

Marcio Chagas, árbitro gaúcho, desde 2019 é acusado pelos torcedores de um time de futebol por ter rebaixado o clube após denunciar práticas racistas em campo, os fazendo perder pontos com o Judiciário. Mesmo que o processo tenha acontecido e o clube tenha sido condenado, o árbitro nunca recebeu o valor estimado pelos danos morais, tampouco teve coragem de voltar ao trabalho.

 

Em Minas Gerais, uma mulher foi escravizada por 38 anos. Ela foi libertada em novembro de 2020, após denúncias dos vizinhos ao Ministério Público. A mulher tinha uma jornada de trabalho incessante das 02h da manhã às 20h da noite, dormia num cômodo de seis metros quadrados e nunca recebeu nenhum centavo pelos serviços que prestava. Como indenização, recebeu um apartamento avaliado em R$600.000,00 que possuía dívidas nas documentações. A estimativa correta era de mais de 2 milhões.

Os relatos acima explicitam a importância do combate jurídico aos crimes de racismo, bem como o poder de instituições (policiais, esportivas e corporativas, por exemplo) em reforçar a discriminação.

O Brasil é o maior país em população afrodescente fora do continente africano. Mas, apesar de ser berço desse povo, nosso país não garante acesso a tratamentos de saúde, saneamento básico e prevenção de doenças à boa parte dessa fatia populacional.

A primeira barreira é imposta pela localização: os grandes centros médicos, que oferecem serviços de média e alta complexidade, costumam ficar distantes das periferias, onde se concentra a população negra. O problema é mais evidente no SUS do que em redes privadas, porque a maioria dos brasileiros que depende exclusivamente do serviço público, são negros. Confira alguns dados sobre a diferença nesse contexto no quadro abaixo:

A cor da Desigualdade

Negros
0%

Atendidos pelo SUS

Negros
0%

Como avaliam a sua saúde
regular, ruim ou muito ruim

Negros
0%

Não tinham Plano de Saúde
(médico ou odontológico)

Negros
0%

Consultaram um médico
no último ano.

Negros
0%

Consultaram um dentista
no último ano.

Negros
0%

Conseguiram um medicamento
prescrito no atendimento médico

Negros
0%

Mulheres que realizaram
Mamografia

Negros
0%

Ficaram internados em
hospitais do SUS.

Em suma, a morte está mais perto de pessoas negras, bem como a pobreza e violência. A saúde, oportunidades, riqueza e valorização, mais distantes. Pessoas pretas continuam sendo privadas de construir sua cidadania.

Nesse vídeo, Seu Jorge canta Zé do Caroço, de Leci Brandão, e recita Nego Drama, do Racionais MC’s. As duas canções refletem traços da impunidade e da isenção da branquitude, termo que você entenderá na próxima etapa.

“E na hora que a televisão brasileira
Destrói toda gente com a sua novela
É que o Zé bota a boca no mundo
Ele faz um discurso profundo
Ele quer ver o bem da favela”


“O drama da cadeia e favela Túmulo, sangue, sirene, choros e vela
Passageiro do Brasil, São Paulo, agonia
Que sobrevivem em meio às honras e covardias
Periferias, vielas, cortiços
Você deve tá pensando
O que você tem a ver com isso?
Desde o início, por ouro e prata
Olha quem morre, então
Veja você quem mata”

É preciso escancarar quem ficou no anonimato.

Escancarar é o verbo que escolhemos para te instigar a colocar os pingos nos i’s perante os débitos de nosso país. Para que, assim, você possa conhecer e valorizar as pessoas que construíram nossa sociedade.

 

Sabemos que esse processo pode ser emocionalmente
difícil, principalmente se você está passando por ele sozinha(o).

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dúvidas e continuar esse debate. Lembre-se, passar
por isso é necessário.

Este conteúdo teve como principais referências:

CURSO RACISMO E POLÍTICA – QUESTÕES CONTEMPOR NEAS. (KOPE).
Aula 04: “Direitos fundamentais e ação afirmativa”
Professor: Adilson Moreira

Aula 05: “Crimes raciais no Brasil”.
Professor: Felipe Freitas

SCHUCMAN, Lia Vainer. “A relação entre branquitude e privilégio”. Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina. 2020.