“Revolucionário é todo aquele que quer mudar o mundo
e tem a coragem de começar por si mesmo.”

Sergio Vaz

Tendo conhecido um pouco mais sobre como a trajetória brasileira originou as desigualdades raciais que vivenciamos ainda hoje, você provavelmente começou a enxergar alguns elementos sociais de maneira diferente. Agora, você está pronta(o) para o próximo passo. Vamos falar de nós, brancas e brancos.

Não é uma coincidência que a maioria da população brasileira seja tão pouco representada em posições de poder, por exemplo, ou que seja a que mais morre de maneira violenta. Às pessoas negras brasileiras, existem lugares reservados que não são bons e nem justos. Mas se os negros estão sendo prejudicados, alguém está se dando melhor que eles, certo?!

 

Antes de aprofundar, sinceridade: talvez seja um pouco desconfortável. Partiremos de uma premissa polêmica, mas pedimos que você não desista da leitura e vá até o final desta fase, porque vamos explicar o que nos leva a pensar dessa maneira. Combinado?! Então lá vai: você se beneficia do racismo.

Essa é uma parte frequentemente omitida quando o assunto é racismo. E é até compreensível… Afinal, compactuar com uma ideia como essa não é algo socialmente bem visto (para além de ser crime, bom lembrar) porque é imoral. Só pessoas más são racistas, certo?! Errado.

Mas sabendo que você já entende ao menos alguns dos reflexos do racismo, precisamos te dizer: é muito difícil fazer parte da solução de um problema, sem se enxergar como parte dele. Então, temos que falar sobre o elefante branco na sala.

Para começar:

Quando o conceito de raça foi inventado, criou-se a narrativa que anunciava que pessoas, por fazerem parte de um mesmo grupo, tinham características similares em intelecto, moral e estética. Em seguida, veio o juízo de valor e a hierarquização dentro desses âmbitos. Quem dita o que é considerado moral, belo e desejável? É o branco. Qual é o modelo central nas discussões sociais e intelectuais? É o branco.

Chama-se “branquitude” o lugar de privilégio social e superioridade racial resultante de todo o processo histórico que viemos discutindo até agora. Essa categoria é relacional. Ou seja, só se materializa quando há alguma espécie de contraste com um “Outro”. O pulo do gato é perceber que nós, brancas e brancos, também formamos um grupo racial.

Para visualizar melhor: num time de futebol, a melhor jogadora não existe se só ela comparecer aos treinos. O técnico irá comparar o desempenho das atletas do time a partir da relação que se dá em campo e assim dirá quem é a melhor. A branquitude existe porque se relaciona, categoriza e inferioriza outras raças (no Brasil, principalmente negros e indígenas, mas ao redor do mundo, outros povos assumem essa posição de Outro).

Podemos trilhar alguns caminhos para visualizar que o modelo tomado como central, na nossa sociedade, é o modelo branco:

– Na escola, quando se aprende História, como é distribuído o conteúdo sobre o continente europeu e o continente africano ou as Américas? Destrinchamos o passado das civilizações brancas desde a Grécia e Roma antigas até a Guerra Fria. Enquanto só se ouve falar dos negros e indígenas depois que o período de colonização européia chega ao hemisfério sul.

– No meio acadêmico, quem são os autores tidos como mais relevantes ou referência? Foucault, Freud, Platão, Aristóteles, Isaac Newton, Nietzche, Hegel, Thomas Edison, Einstein e por aí vai…todos brancos. Por que não estão nas prateleiras e nos debates, os conhecimentos das civilizações do povo negro e indígena?

– As narrativas no cinema contam quais histórias? De qual ponto de vista? Os papéis principais são feitos, na maioria, por atrizes e atores de que cor?

– Os gêneros musicais que se tem como inferiores e/ou ruins, vêm de onde? Você conhece a história do samba, do lundu, do soul, do funk, do hip hop?

– Qual era a religião praticada pelas pessoas que utilizaram discursos de fé para colonizar e justificar a escravização dos africanos sequestrados e povos indígenas? Quem afirmou que os negros não tinham alma? E por que são as religiões de matriz africana que são vistas de maneira negativa e demonizadas?

– E finalmente, qual o padrão de beleza difundido pelos meios de comunicação? Os traços físicos exaltados mais frequentemente em comerciais são traços afinados, característica do povo branco, ou se assemelham à negritude?

Esses pontos mostram que o branco está no centro. Mesmo a história oficial da humanidade é narrada sob sua perspectiva. Não parece haver algo errado aí? Nós não podemos ser o ponto de partida da humanidade, o “humano universal”. Porque todas as outras histórias e maneiras de viver de outros povos serão apenas desconsideradas e apagadas. Somos uma outra fatia da sociedade racializada.

Biologicamente, somos iguais, sim. Mas a sociedade brasileira foi criada sob o discurso embranquecido, que ao longo dos anos, fez com que pessoas não tivessem acesso a direitos básicos. Ou seja, retroalimentou o racismo, um problema político.

Assista o vídeo do Papo Rápido para complementar a discussão.

É possível identificar e elencar características próprias da branquitude brasileira. Priscila Silva, socióloga, define como especificidades nacionais do conceito: a necessidade de pensá-lo fora da dualidade branco/negro; a superioridade estética; o silêncio como estratégia e, principalmente, o “poder” de escolher refletir sua raça ou não.

Pessoas negras não podem escolher não refletir sobre sua cor. Elas são estigmatizadas desde o momento do seu nascimento. E sofrem ataques à sua autoestima desde criança, suas perdas vão além do social. O indivíduo negro tem sua subjetividade afetada por crescer em uma sociedade que menospreza tudo o que se parece com ele, quem fala sobre isso de maneira fácil, direta e mega bem feita é bell hooks.

 

Dica de leitura: Raça e representação – bell hooks

É importante romper com o silêncio e a possibilidade de escolha sobre a reflexão de raça. Racista não é só aquele que, explicitamente, discrimina uma pessoa por sua cor. Somos racistas também quando fazemos silêncio frente aos cenários desiguais que sabemos existir. Silenciar é concordar com uma estrutura que renega, fere e marginaliza pessoas negras.

Uma dica de leitura útil para entender mais sobre branquitude, se perceber em ações diárias e se apropriar das repercussões de alguns atos na vida de pessoas negras é o livro “Eu e a Supremacia Branca”, de Layla F. Saad. A autora elenca algumas “desculpas” que usamos para nos impedir de erguer a voz contra o racismo ou de dar vazão às vozes de pessoas negras.

APATIA BRANCA

É a escolha de permanecer no conforto quente e seguro da supremacia branca e nos privilégios que ela oferece.​

PRIVILÉGIO BRANCO

O privilégio da branquitude significa não ter que lidar com a supremacia branca, caso se opte por não fazê-lo. Afinal, a supremacia branca beneficia de modos muito atraentes aqueles que são brancos ou considerados brancos.

SILÊNCIO BRANCO

Anda de mãos dadas com com a apatia branca, pois um alimenta o outro. fica calado aquele que é apático ao racismo e sua apatia alimenta mais ainda o silêncio.

EXCEPCIONALIDADE BRANCA

É a ideia de que você está acima do racismo, que não é racista e por isso não precisa praticar o antirracismo e dá, a quem se sente excepcional, um falso senso de orgulho que nada mais é do que a apatia disfarçada.

DALTONISMO RACIAL

Aquele que acredita que não tem urgência em praticar o antirracismo, que estamos num período pós-racial e que escolher não “ver a cor” o torna antirracista e por isso nada mais precisa ser feito, está sendo apático enquanto se convence de que é antirracista.

ESTEREÓTIPOS ANTINEGRITUDE E RACISTAS

São pensamentos subconscientes e enraizados, que criam uma ideia de que o não branco merece o tratamento que tem porque é inferior, preguiçoso, feio, perigoso, não civilizado ou digno e por aí vai. O indivíduo que tem esse pensamento gostaria que o racismo não fosse uma realidade, mas acredita que os negros fazem por merecer sendo quem são e esse tipo de pensamento é construído a partir da superioridade branca.

Fonte: Kimani (Instagram – @kimani_poeta)

Há muito para aprender sobre nós e sobre si mesmo como indivíduos brancos. Esse aprendizado pode (e deve) ser desconfortável.

Nosso conselho é:

Examine sua própria história para encontrar os momentos em que você foi beneficiado (teve acesso, não foi violentado, teve oportunidades, etc) por ser branco;

Assuma que nem tudo na sua vida é mérito seu. Isso pode significar um rompimento com uma imagem mental de si. Inclua a possibilidade de que você ocupa alguns espaços por ser branco, já que outras pessoas não tiveram nem a chance de competir por esse lugar;

Lide com essa dor junto dos seus círculos brancos, não envolva pessoas negras no seu sofrimento, elas já têm o sofrimento próprio e preocupações com a sua preservação física e emocional;

Lembre sempre que você não é culpada(o) diretamente pelo que vivenciamos, mas é responsável por não continuar perpetuando uma lógica desigual;

A partir disso, entenda em quais lugares na sua vida você pode abrir mão dos privilégios da sua cor ou como pode estendê-los a quem é historicamente lesado.

Na próxima fase, iremos ver modos de agir. Não garantimos que será mais simples, mas mais prático.
Nos vemos lá?

Sabemos que esse processo pode ser emocionalmente
difícil, principalmente se você está passando por ele sozinha(o).

Entre no nosso grupo do Telegram! 🙂

Podemos dividir isso juntas (os), trocar ideias, tirar
dúvidas e continuar esse debate. Lembre-se, passar
por isso é necessário.

Este conteúdo teve como principais referências:

CURSO RACISMO E POLÍTICA – QUESTÕES CONTEMPOR NEAS. (KOPE).
Aula 03: “Teorias críticas da branquitude”
Professor: Lia Schucman

CARDOSO, Lourenço.; MÜLLER, Tânia (Orgs.). Branquitude: estudos sobre a identidade branca no Brasil. Curitiba, Editora Appris, 2018. p. 19-32.

HOOKS, bell. Raça e representação. Olhares negros. Tradução: Stephanie Borges. 1 ed. São Paulo: Editora Elefante, 2019. 356p.

SAAD, Layla. Eu e a supremacia branca: como reconhecer seu privilégio, combater o racismo e mudar o mundo. Tradução: Petê Rissatti. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2020. p 234.