Ser antirracista, significa adotar posturas contra o racismo. Embora a palavra ilustre por si própria o raciocínio contrário (anti), à ideia (racismo), ela tomou força nos últimos dois anos devido a quantidade de casos racistas que foram compartilhados pela mídia e os movimentos levantados a partir do pensamento:

Segundo Lia Schucman, importante teórica da branquitude, “podemos concluir através dos estudos de relações raciais e racismo no Brasil que, além da existência do racismo na cotidianidade da população negra, este é atualizado, perpetuado e legitimado pela ideia de raça e, portanto, é através desta categoria política que a luta antirracista deve ser articulada.”


Lia fez um TEDx Talks sobre esse assunto, confira aqui:

 

Ou seja, é preciso que você reflita sobre a categorização dos seres humanos pela raça e perceba que: por mais que você ache que os seres humanos são todos iguais e têm a mesma capacidade intelectual, eles conquistam coisas diferentes dependendo da sua cor. Portanto, você precisa seguir na direção contrária da formação teórica e prática da humanidade que foi construída com base na raça.

Ainda sobram coisas a se pensar e fazer. O antirracismo é uma prática diária e minuciosa que precisa ser construída dia após dia, em cada micro oportunidade que você encontrar.

Aprendemos que o racismo tem uma dimensão individualista, baseada em sentimentos e experiências únicas em relação a um Outro, de uma outra raça. É importante que você lide com as suas particularidades, se entendendo como parte do problema de uma maneira particular sua. Mas, depois disso, é preciso que você saiba também participar da mudança. Agir individualmente (e coletivamente) é necessário para desmantelar a supremacia branca das instituições racistas: escolas, igrejas, grupos familiares ou de amigos, confraternizações, comércios, parques e praças. Quando você participa da sociedade, efetiva seu papel enquanto agente social e cidadão.

Agora que você já sabe reconhecer alguns dos seus privilégios, atue. A única forma de começar a desconstrução das estruturas racistas, é colocando as mãos na massa.

Escolha não se beneficiar de vantagens pela cor da sua pele. Se esforce para perceber os momentos em que você “chegou lá” de um jeito mais fácil e questione esses caminhos, buscando não se privilegiar deles. Não se beneficie da sua cor. Faça justamente o contrário, indique uma pessoa preta para ocupar esse lugar ou receber esses benefícios.

Essa pauta tem espaço para o seu lugar de fala e você deve ocupá-lo! Uma dificuldade comum que surge quando nós brancos tentamos nos inserir na discussão racial, é a noção equivocada que se difundiu do que é lugar de fala – em que pessoas brancas não podem discursar sobre racismo e devem apenas ouvir. Mas no seu livro “Lugar de Fala”, Djamila Ribeiro nos ensina que se trata de um conceito complexo, mas que não tem nada a ver com a ideia de que somente o negro pode falar sobre racismo.

Para entender o lugar de fala, é preciso considerar as categorias de raça, gênero, classe e sexualidade e sua interação com as relações de poder e o favorecimento das desigualdades. Compreender isso nos permite assimilar que existem hierarquias sociais que determinam o acesso de certos grupos a espaços de maneira desigual, impedindo que sejam ouvidos. Isso se relaciona ao que chamamos de locus social. As experiências comuns resultantes de cada lugar social, muitas vezes impedem que a população negra possa falar, e nesse caso, falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir.

Quando falamos de direito à existência digna e à voz, estamos falando de locus social, de como esse lugar imposto dificulta a conquista de direitos e igualdade. Compreender seu lugar de fala, portanto, significa enxergar como você se encaixa em cada uma destas categorias e como isto te beneficia ou lhe retira possibilidades perante a sociedade.

Desta maneira, percebemos que todas as pessoas possuem lugares de fala, mesmo que isso não signifique que todas têm representatividade. Todo indivíduo que pertence a alguma minoria política pode não se ver representado por um indivíduo padrão (homem, branco, cisgênero e heterossexual), mas isso é diferente de dizer que este sujeito denominado “padrão” não possa pensar os assuntos que atravessam existências diferentes da dele. É uma questão de entender as diferentes localizações sociais. Assim, fica evidente a diferença entre lugar de fala e luta por representatividade.

A vida em sociedade demanda que os indivíduos se posicionem em situações de privilégio e pratiquem a escuta ativa como ponto essencial. Para que se possa pensar uma transformação social, é necessário entender as melhores formas de agir e o lugar de fala como “posição de onde olho para o mundo para então intervir nele”, como aponta a pesquisadora Rosane Borges. Não pode haver desresponsabilização de sujeitos de poder que são em sua maioria, brancos. É preciso agir em favor de impulsionar transformações, dando espaço para vozes historicamente silenciadas e, principalmente, dando vez para que ocupem posições iguais de poder.

A manutenção de uma postura antirracista, ou seja, de oposição à estrutura social racista brasileira está intrinsecamente ligada às ações. Porém, como aponta Djamila Ribeiro, o processo envolve uma revisão crítica e profunda de nossa percepção de si e do mundo.

E então, VOTE! A democracia precisa de você nas urnas. Exercer seu direito de voto é um dos momentos em que sua escolha mais conta na pauta antirracista. Conheça as(os) candidatas(os) e suas propostas de maneira profunda, busque saber se existem planos de ações de redução de desigualdades. Gere representatividade, prefira parlamentares negros sempre que for viável.

E por fim, considere que você não será prejudicado pela maioria negra, pois a garantia de direitos e representatividade a essas pessoas não nos fere. Enquanto que pretas e pretos serão sempre prejudicados se a maioria representativa for branca. Além disso, repense sua relação com os líderes brancos, se não cobrarmos deles, não veremos as mudanças que queremos.

Inicie o debate. Quando estiver conversando com alguém que ainda não conhece a branquitude, apresente-a. Fale sobre os seus privilégios e sobre suas decisões em abdicar deles. Traga seus amigos, familiares, parceiros, colegas de trabalho para participarem dessa pauta. Estimule que eles tenham os mesmos questionamentos e transformações que você. Posicione-se quando pedirem e quando não pedirem sua opinião. Saiba o momento certo de ouvir quando cometer erros no meio do caminho.

Estudos indicam que quando você se propõe a aprender em espaços coletivos, a dividir lições e conversar sobre determinado assunto, as chances desse aprendizado ser absorvido com maior intensidade são maiores que as de quando está sozinho.

 

Aceite a repreensão quando ela vier de uma pessoa não-branca sobre algo específico de uma realidade que você não vivencia. Uma prática comum da branquitude é apontar agressividade e raiva no discurso de pessoas negras ao invés de atentar para o conteúdo que está sendo dito. Existe um nome para isso: policiamento de tom.

Esse comportamento é injusto porque o sentimento de raiva branco é visto como justificado, mas o do negro não (e, convenhamos, há razão de sobra para que eles estejam exaustos) ou pior, é visto como perigoso. Além disso, o policiamento de tom preserva nós, brancas (os), numa zona de conforto, pois nos retira da posição de ouvir represálias ou do constrangimento de nos enxergarmos racistas.

Se exponha, pergunte, pesquise! A incerteza sobre pontos relacionados à pauta racial pode ser um impeditivo para continuar seu processo de desconstrução e de aliança ao antirracismo. É comum que alguns brancos se calem e deixem de se posicionar por terem dúvidas como, por exemplo, não saber se a maneira “certa” de referir a um indivíduo da negritude é “negro” ou “preto”. Uma simples pesquisa responde a essa pergunta e a várias outras. É importante perceber também que existe uma parcela de orgulho a ser deixado de lado nessa questão, é preciso assumir que não se sabe algo para perguntar, é necessário pesquisar. Não freie, peça ajuda para companheiros de caminhada.

Não esqueça do que comentamos antes sobre a exaustão de pessoas negras em sempre ocuparem o lugar de falar da pauta racial como se fossem os únicos a ter que estudar sobre isso. Faça sua parte antes de pedir que simplesmente te ensinem, combinado?!

Aposente o vocabulário racista. Expressões e termos comuns da língua portuguesa carregam herança preconceituosa. Os discursos circulantes em uma sociedade dizem muito sobre ela, acredite nisso e troque as palavras aos poucos.
Para começar, você pode acessar, por exemplo, *** esta cartilha ***.

Consuma conteúdo, trabalho e obras da negritude. Prefira ler pessoas negras, ouvi-las, estudar pontos de vista ensinados por elas, consultar-se com elas, trabalhar com elas, além de indicá-las. Isso irá refletir na sua percepção de diferentes realidades e, de maneira esperançosa, mudará seus pensamentos, atitudes e alguns hábitos.

Você pode acessar nosso banco de referências para começar por autores e artistas de lá. Mas também indicamos o podcast “Vidas Negras” de Tiago Rogero, que traz a trajetória e obra de personalidades negras atuais e históricas.

Busque estar atenta(o) à apropriação cultural. Quando nos utilizamos de elementos ou práticas de uma outra cultura, retirando seu contexto e esvaziando seu sentido original e significado, não estamos apreciando tais elementos e práticas, mas sim, utilizando deles ao nosso bel-prazer. Entenda o que é a apropriação cultural com o vídeo da filósofa Djamila Ribeiro com o antropólogo Rodney William:

Abra mão da síndrome do branco salvador, a ideia de que precisamos falar pelos negros e salvá-los. O objetivo é justamente o contrário, precisamos abrir espaço, aprender a perceber em que momentos estamos tirando deles seus direitos e como podemos evitar isso. As pessoas não-brancas são capazes de falar por si mesmas e nosso desafio está em aprender a ouvir. Tente enxergar esse passo como uma responsabilidade, uma devolutiva.

Reflita sobre as coisas que você deseja quando pensa em futuro, pense nas pessoas que você vai encontrar pelo caminho e te ajudarão tornar isso realidade.

Imagine que todos os seres humanos devem ter o mesmo direito de sonhar e aspirar possibilidades de maneira igual.

Um aspecto importante a ser tratado sobre a branquitude é que ela não restringe a opressão somente ao povo negro. A branquitude é múltipla e opera de maneiras diferentes também em relação a outros povos como os indígenas, os marrons (árabes), os amarelos (asiáticos), os aborígenes e os judeus.

O #vocênãotemcartabranca é um projeto que aborda a branquitude somente em relação à negritude. Mas, como agora você já se sabe parte deste grupo, pode buscar expandir seus conhecimentos também para outros caminhos. Lembre-se que você pode conhecer a sua história enquanto brasileira(o) por outros vieses. Recrie as origens que fundam os seus valores, modele sua atuação na sociedade, vamos iniciar uma nova era!

Mesmo depois de tomar consciência da nossa branquitude e assumir o compromisso de reverter o racismo estrutural, nós provavelmente ainda teremos comportamentos racistas. Afinal, estamos falando de romper com coisas que foram incutidas em nós durante toda nossa vida, nos libertar delas é um exercício constante.

Ao longo das fases você deve ter percebido que deixamos um comentário sobre nosso grupo no Telegram, decidimos fazer isso porque nosso percurso de aprendizado também foi desafiador antes de propor o que você viu até aqui. Algo que nos ajudou durante esse processo, foi passar por eles juntas e poder debater nos fez aprender ainda mais. Outra coisa, foi assistir e ouvir as produções de AmarElo, do Emicida. Indicamos esse álbum e documentário como forma de entregar esperança e motivação para te acompanhar nessa mudança.

Este conteúdo teve como principais referências:

RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Pólen, 2019.
______. Pequeno manual antirracista. Companhia das Letras, 2019.

SAAD, Layla. Eu e a supremacia branca: como reconhecer seu privilégio, combater o racismo e mudar o mundo. Tradução: Petê Rissatti. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2020. p 234.